Tim e Tom
Eder Sallez - Tim e Tom. Giz Pastel Sobre Papel. 28, 5 x 20,5. 2011
I
Tom era o mais velho e tinha ido para um grande baile com um antigo amigo muito querido. Essas terras da capital de seu reino sempre o fascinavam, eram as possibilidades, as expectativas, essa vontade ferrenha de conhecer o novo. Esse pequeno grande garoto, deste mundo mágico, que pegava seu pássaro mágico e aterrissava placidamente na principal cidade do reino.
Aquela comemoração toda não era tão convidativa, havia algo de estranho em tudo aquilo, algumas pessoas não eram as mesmas que ele estava acostumado, chegam o tempo todo nele, como se soubessem o que ele carregava dentro de si.
A semente da flor poente, o próprio Tom tinha se esquecido disso. Era presente de um antigo e poderoso mago, chamado Tanagus, quando entregou ao garoto a semente ele disse “ quando a flor surgir ela te transformará no garoto mais poderoso, forte e corajoso de todo o reino, mas lembre-se, ela não floresce sozinha, ela precisa de uma outra pessoa com a alma tão pura quanto a sua, e quando encontrares você deverá deixar a flor com esta pessoa, só assim ela deixará o poder fluir não só para você mas para o escolhido, a melhor dádiva é aquela que podemos compartilhar”.
A semente estava dentro de uma bolsinha, dourada e com detalhes em fios de ouro, lacrada por uma fita de seda azul, ficava presa a uma corrente que Tom carrega no pescoço, era do tamanho de um pingente.
Ele caminhou por essa festa, por essa sucessão de pessoas desmedidas que sentiam que ele possuía a semente da flor poente. Seu amigo tinha se perdido, conversando com outros garotos e garotas, enquanto aqueles ladrões sorrateiros, com sorrisos vis e cruéis lhe causavam medo. Que tipo de festa era essa que reunia homens de bem ao lado de ladrões e trapaceiros? A capital do reino tinha seus estranhos hábitos. Quando estava imerso em seus pensamentos, um dos ladrões, o mais esperto, viu a bolsinha com a semente, reconheceu na hora do que se tratava, e com todas as forças tentou pegá-la. “Você não é digno de te-la, somente as pessoas da capital do reino é que podem possuir tal objeto, e ele será meu, queira você ou não”.
Tom assustou-se, seu coração parecia saltar pela boca, estava com medo, toda forma assustadora do baile estava ali solidificado neste ladrão que tentava lhe tirar o querido presente que tinha. Saiu andando depressa por um e outro, desviando dos olhares quando esbarrou em outro garoto, que aparentemente estava perdido, assim como ele, mas quando olhos nos olhos do menino, sabia que não era um dos ladrões, ou aprendizes, já que os pequenos garotos também carregam um potencial para o indevido.
Nunca conseguiu explicar aquela confiança súbita que sentiu no garoto, que olhou fortemente nos olhos de Tom e disse “Venha, eu posso ajudar você. Esse mesmo ladrão já tentou me roubar coisas preciosas.” Foram para um canto do salão de festas, onde havia uma vista para o infinito oceano, onde a lua cheia emitia sua luz diáfana sobre as poltronas e as plantas do local.
“Chamo-me Tim, e você quem é? Sei que não é desta cidade, posso ver essas coisas em você”. Tom sorriu e disse “Sou Tom, venho de uma cidade próxima à capital do Reino, vim para esta festa para me encontrar com um amigo muito querido irá fazer uma longa viagem, para um reino tão mágico quanto este, porém muito mais distante”. “Mas não era por isso que aquele ladrão asqueroso queria lhe atacar, não é mesmo, qual a razão? Pode confiar em mim”. Tom respirou forte, neste instante a semente da flor poente sacudiu dentro daquela bosinha dourada, em todos aqueles anos que vinha guardando aquele tesouro nunca isso tinha acontecido, ela estava pedindo para germinar? Não havia outra explicação. Tom sabia que quando a flor surgisse, ela lhe traria poderes então ele vivia segurando firme aquele desejo de ser forte e corajoso, o mais valente garoto de sua cidade, que poderia derrotar os gigantes, punir as bruxas e matar os dragões, pois sua cidade era pequena, mas recheada de perigos mortais. Ser forte, ser reconhecido.
“Eu carrego uma semente de flor poente, elas são muito raras e poderosas”. Respondeu quase subitamente, entregando-se àquela confiança súbita que desenvolveu para com Tim. “Eu sou mais novo que você, mas já vi algumas, eu mesmo pensava que eram lendas. Elas são muito raras e valiosas, principalmente aqui no reino. Devemos sair daqui o quanto antes. Você está no lugar errado Tom. Encontre seu amigo, vou te ajudar a escapar daqui”.
Tom não precisou se esforçar para encontrar seu amigo, em pouco tempo ele passou correndo por Tom e Tim, estava assustado e preocupado. “Tom, me desculpe por deixá-lo sozinho, uma amiga nossa está com sérios problemas, foi atacada por uma bruxa, não deveríamos ter vindo a esta festa. Estou indo ajudá-la.” O amigo de Tom saiu pela grande porta do salão do reino, pegou sua carruagem e foi realizar um ato heróico.
“Tenho que voltar para casa, mas este lugar me desgastou. Minha Água Gigante está muito distante daqui”. Disse Tom para Tim. “Já disse que posso resolver tudo, não é porque sou mais novo que você que não posso ser tão esperto quanto”. Ao acabar de pronunciar essas palavras, Tim guiou Tom para fora do local, alguns ladrões e malfeitores ainda estavam na saída, alguns ainda olhavam para ele, cientes de que havia algo que pudessem roubar dele, mas Tim os encarava com tanta força no olhar, aquele olhar era capaz de domar o mais malvado dos dragões, ou de cativar o mais belo dos unicórnios.
Tim murmurou umas palavras estranhas, seria mágica? Seria ele aprendiz de mago? Tom nunca saberia, mas em pouco tempo havia uma carruagem. “Onde está sua Águia Gigante?” “Próxima ao Porto do Cisne” “Magnífico, minha moradia fica a caminho, posso pedir ao senhor que conduz os cavalos para lhe deixar lá, estarás seguro”.
Quando os dois garotos entraram, a semente ganhou um brilho novo, parecia cegar a ambos. Algo mudou dentro de Tom, ele captou a alma pura de Tim, ele tinha o potencial para cultivar a pequenina semente, estava certo disso.
Tom tirou a fita azul que lacrava a bolsinha dourada, abriu cuidadosamente, e pegou a semente nas mãos, o brilho era ao mesmo tempo de todas as cores. “Que lindo” exclamou Tim maravilhado por tamanha beleza. “É sua, meu amigo, o mago Tanagus, disse que ela só germinaria quando eu encontrasse uma pessoa tomada por bondade”. “Mas eu não posso aceitar, é muita honra”. “A semente tem certa vontade, nem todos os acontecimentos dependem de decisões pensadas. É sua, por favo, pegue-a”. Tim pegou cuidadosamente no tesouro que era de seu amigo, e agora se tornava seu. “É linda, é reconfortante. Serei eu capaz de fazê-la brotar? Não sei se posso”. “Eu preciso de força para enfrentar todos os perigos que me rodeiam, a flor me trará isso e também te dará forças, eu garanto” Tim não teve outra escolha e aceitou o presente de Tom.
Em pouco tempo a carruagem passou pela casa de Tim. “Essa é minha modesta moradia” Tom olhou para a casa, até mesmo nela havia um brilho bonito, da mesma forma que ele via nos olhos de Tim, aquela pureza, aquela vontade de fazer o bem. “Quando estiver em apuros no reino, sabe onde me procurar”. Tim tirou então de seu bolso dois pequenos amuletos, pedrinhas negras muito bonitas e brilhosas. Pegou uma e colocou na mão de Tom. “Essas são pedras da comunicação, por elas não perderemos contato, e você saberá como a sua flor está. Todos os dias, na última hora de sol do dia, você deixará que os raios batam nela, e assim minha imagem aparecerá para você, e seremos capazes de nos comunicar. Este também é um presente que eu deveria compartilhar com alguém. Cuide-se Tom, já que a necessidade de viver aventuras não nos esconde do perigo, sei que isso de alguma forma rege seu viver, Tom. Tome cuidado e retorne em paz”.
Abraçaram-se demoradamente e Tom seguiu para o Porto do Cisne, onde sua Águia Gigante estava preocupada e lhe esperando. “Tom, seu levado, se não houve uma proibição para nós águias de ir até os salões do reino, eu já teria ido atrás de você”. Tom sorriu e disse para a amiga “não se preocupe, estou bem e ainda encontrei alguém para cuidar da semente da flor poente”. “Isto é fabuloso, Tanagus ficará satisfeito por você ter descoberto” Disse a Águia Gigante. “E eu serei o mais forte guerreiro de minha cidade, vamos voar de volta minha amiga”.
A águia ergueu suas imensas asas, o movimento delas movendo galhos e flores. O vento batia suave no rosto de Tom e em seu sorriso. O sol nascia no mar, as silhuetas do garoto de águia se perdiam no horizonte sul, em direção às montanhas.
II
Assim se passaram os dias e a comunicação entre Tim e Tom era freqüente. Todos os dias à tarde Tom colocava a pedra negra sobre os raios de sol, e logo na outra cidade a pedra negra de Tim brilhava e um poderia ver a imagem do outro.
“Ela está crescendo, Tom! Você precisava ver! Tenho que me render, você estava certo, eu posso cuidar para que ela cresça e floresça”.
Nessa hora Tom abriu um largo sorriso.
A força dentro de Tom passou a crescer, de forma imprevista. Certo dia ela foi capaz de capturar um gigante que por maldade estava pisando nas videiras dos camponeses. Tom preparou uma armadilha, colocando uma corda de um canto a outro, presa das rochas, estava bem baixa, o gigante passava por ali todos os dias e nem ia perceber. E não deu outra, em pouco tempo o gigante de quase quatro metros caia e batia a cabeça no chão, sem tardar Tom amarrou-o bem forte. Todos do vilarejo da cidade o aplaudiram, ele sentiu tão orgulhoso disso e pensou “graças à flor poente e a Tim”.
“Tom, Tom, tem um lindo botão, ele está todo tímido e é branco”. Exclamou Tim todo alegre para o amigo “é branco, minha cor favorita, toda vez que chego próximo a ele fico parado, dominado por uma força que me traz paz”. Então Tom contou para o amigo que tinha derrotado um dos gigantes malvados. “Deve ser por isso Tom, a flor está surgindo e com elas suas forças, em breve será um dos maiores heróis que esta terra já viu”.
Dois dias depois, duas criancinhas foram aprisionadas por uma bruxa que morava no topo de uma das montanhas. Tom foi até o castelo da bruxa, munido de seu pequeno punhal, esperou paciente até anoitecer, quando a mulher malvada saiu voando em sua vassoura, ele entrou dentro, libertou as crianças que ainda não haviam sido enfeitiçadas para serem escravos. E não foi apenas isso, ele entrou até a sala de jantar, e em cada refeição feita por seus escravos, ele colocou gotas de uma poção que faria a bruxa dormir por muitos e muitos anos, essa poção dada por Tamagus, já que neste reino os magos e bruxas não podiam se confrontar diretamente. Sua cidade estava livre de mais um dos perigos mortais.
No outro dia, Tim lhe disse que a flor tinha aberto e era linda, mas que já não era mais branca, como aparentava, e sim amarela. “Foi por isso então, ontem eu consegui derrotar a bruxa que mora nas montanhas” Contou Tom para Tim, e ambos comemoraram a vitória de Tom. “Tem alguma coisa acontecendo comigo também, Tim. Eu sinto-me mais forte e corajoso, sinto necessidade de lidar com perigos, iguais a este que você vem combatendo”. “Você pode se tornar um herói também, basta você querer e também usar as boas energias da flor”. “Eu não tenho capacidade pra isso, não sou tão bom quanto você, nunca vou chegar a fazer um ato heróico parecido”. “Se você enxerga em mim sabedoria e valentia, não há como não você negar o bem e o potencial que vejo em sua pessoa. Um coração puro sabe reconhecer outro”.
Tim ficou infinitamente feliz com as palavras sábias do amigo, ele sentiu neste instante uma força de vontade imensa, passou a ter Tom com um dos exemplos a seguir.
Passaram mais alguns dias e em quase todos eles se falavam. A flor ia mudando de cor, passou do amarelo, para o laranja, depois para o vermelho, rosa, e estava se tornando roxa. Tom estava realizando pequenos feitos, ele dizia pra si mesmo que estava preparando para realizar o maior feito, o de lutar contra o Dragão Vermelho.
“Mas antes, Tom, você tem que voltar aqui, tem que ver como esta sua flor, ela está linda, tenho cuidado dela todos os dias, pacientemente”.
“Você está dizendo que devo lhe visitar?” Sim por que não? Não foi você mesmo que disse que eu tenho potencial para me tornar um herói tão bom quanto? Essa força que a flor também me concedeu está na hora de ser direcionada. Espero-te, pode ficar em minha casa”.
Tom sentiu-se imensamente feliz, antes ele era treinado e agora passaria a guiar alguém nesta vida heróica. Não era responsabilidade demais para um garoto ajudando outro mais novo a enfrentar os perigos e aventuras daquele reino distante?
Mesmo com todas as intempéries, pois uma chuva torrencial havia atingido o reino por dias, ele e sua Águia Gigante resolveram ir à cidade capital, mais uma vez. A curiosidade em saber como estava a flor poente era maior do que o peso da responsabilidade de treinar alguém.
A Águia Gigante posou no mesmo local de outrora, pois a casa de Tim ficava próxima aos salões, elas estavam proibidas de ir até esta área também, mais uma das leis inexplicáveis deste reino. “Cuide – se Tom, não quero saber de ladrões e malfeitores rodeando-te mais uma vez, como me contou da última vez. Acho que não preciso me preocupar enquanto isso, pois a flor já cresceu e você não guarda mais a semente. Daqui dois dias eu virei novamente de buscar”. A Águia Gigante ergueu as assas e saiu sob a chuva fina e fria.
Estava no local como combinado, e Tim não parecia. Sentiu-se só subitamente. O amigo não mais viria? E se parecessem aqueles ladrões famigerados novamente? Lutaria com todos, pois agora não tinha mais medo, ele tinha coragem, a flor poente era o que conferia isto ao garoto herói. Quando ainda pensava nisso tudo, viu Tim chegando, com aquele sorriso belo e olhos brilhantes, a luz de guerreiro nato, agora conseguia definir o que não tinha feito antes, a flor poente tinha revelado por inteiro esta força interior, essa garra que Tim possuía, a mesma que Tom.
Os dois amigos abraçaram-se por um longo tempo, como se assim a saudade de tanto tempo se dissipasse. “Vamos, vamos Tom. Temos que ir pra casa, a flor poente está lá, linda como nunca”.
Ao chegar à casa de Tim, ele percebeu que o garoto morava sozinho como ele, mas havia outras casas ao redor da sua. “São meus guardiões, todos eles dizem que um dia eu farei algo muito especial, cuidam de mim desde que meus pais se foram”. Perdas eram complicadas, Tom mesmo sabia, pois ele tinha sido criado por Tanagus, da mesma forma, achou melhor não abordar muito o assunto. Queria apenas a felicidade que a flor lhe produziria. Subiram correndo as escadas que davam para a casa de Tim, que o levou correndo para o jardim e lá estava ela. Já era noite, mas ao redor tinha um brilho diáfano, de cor violeta e azul, pois era a cor que ela tinha no momento.
“Ela é linda, ela se tornou minha força. Olha que trabalho mais lindo que você fez, Tim. Me deixou extremamente orgulhoso”. Ele abraço forte o amigo e disse olhando em seus olhos “amanhã vamos começar seu treinamento”
Quando o sol nasceu, Tom que sempre era o mais disposto acordou Tim e eles começaram a treinar.Tim mostrou-se tão bom quanto Tom no manejo do punhal, ao levantar peso, ao atirar com as flechas. “Como pode saber isso tudo? Está melhor que eu, pronto pra um combate verdadeiro” Tim sorriu e respondeu “ nem eu sabia dessas habilidades, devem ser meus ancestrais guerreiros falando alto, eles já moravam aqui antes das pessoas chegarem para habitar essa terras, devo ter herdado o espírito de guerra deles”. Tom largou as armas e disse “ Não só isso, esses espírito se manifestou graças aos esforços que fez para cuidar da flor. Me conte agora, o que você fez para que ela vigorasse tão depressa?” Tim ficou calado nessa hora, era seu maior segredo, não poderia revê-lo assim. “Prefiro não revelar” “Mas eu tenho o direito, a flor não é apenas sua, tenho parte nela” Tim viu que se não contasse o amigo ficaria triste e desconfiado “ Eu apenas desejei força a você, que tivesse toda coragem, inteligência e astúcia para ser o herói que sempre quis ser, quanto mais sincero era esse meu desejo, mais a flor crescia”.
Era a prova mais bela de amizade e consideração que havia tido. Tom sentiu-se a pessoa mais feliz do mundo, naquele momento que durou segundos. “Obrigado, nunca irei te desapontar, nunca serei vencido diante destes perigos”.
No outro dia, Tim e Tom escolheram juntos combater ladrões e salteadores, estes malfeitores moravam no mesmo local. Enquanto Tim lutava com os ladrões, derrubando cada um deles com socos certeiros ou flechadas nas pernas, Tom corria e colocava tudo que essas pessoas tinham roubado em um grande saco e os dois fugiram dali. Entregaram todas as coisas para os cavalheiros do Rei, assim como disseram que todos os ladrões encontravam-se amordaçados, amarrados e presos no galpão que usavam para esconder as peças roubadas. “Garotos, vocês dois juntos podem ser invencíveis”. Eles se olharam e riram, juntos seriam poderosos e os maiores heróis do reino, só estavam começando suas jornadas.
Treinaram durante o último dia juntos, mas Tim não parecia satisfeito no final. “Juntos somos mais poderosos, você realmente tem que voltar para sua terra?” . “Sim, eu devo, Tim. Tenho deveres que me chamam, tenho que livrar-la do Dragão Vermelho, que é o maior mal que ainda a assola, antes disso não posso. Espero que compreenda, ainda quero lutar e ser reconhecido ao seu lado, mas ainda não é chegado o tempo. Você cuidará da flor poente para mim?”. “Eu vou tentar, eu sou forte acredite em mim, assim como acredito em sua bravura”.
Já não chovia mais, Tim foi levar Tom ao Porto do Cisne e a Águia Gigante já descia para buscá-lo. Abraçaram-se novamente, Tom olhou nos olhos de guerreiro de Tim, havia um brilho diferente, era uma lágrima. “Eu volto, seja forte, ainda temos uma imensa guerra pela frente, seremos aqueles glorificados no final. Não existe palavra em qualquer língua deste reino que agradeça sua amizade e seu cuidado com a flor e comigo”. “Obrigado por esses dias mágicos, Tom. Sentirei sua falta, parta em paz.”
A Águia Gigante levantou voou, o vento forte desprendeu ciscos e poeira do chão. Tim fechou os olhos e os protegeu com as mãos, afastou alguns passos e quando os abriu novamente, estavam turvos pelas lágrimas, mas mesmo assim ainda viu o amigo, que voava com a águia lhe acenando.
Dias depois, munido da força maior que tinha encontrado, Tom tentou enfrentar o Dragão Vermelho, foi com tudo, desde vez possuía uma lança e um escudo para lhe proteger, mas apesar de todo preparo e treino o Dragão Vermelho foi muito mais esperto, e quase o matou, despejou suas flamas no braço do herói garoto e o deixou ferido.
Como isso era possível? Ele agora não tinha absorvido toda a força da flor poente? Não sentia isso?
Havia algo estranho, pois há dias tentava falar com Tim e não conseguia.
Um medo terrível invadiu o coração do pequeno herói, alguma coisa tinha mudado em definitivo, ele sentia isso.
III
“Não venha mais até aqui. Não posso te iludir que sou capaz de cuidar da flor mais. Estou cansado de tudo isso”.
Estas foram as palavras que deixaram Tom desesperado, sem a flor não poderia ser o herói, não teria toda coragem suficiente. Em poucos dias ele entrou em desespero.
Tanagus vendo seu protegido sofrendo logo foi lhe questionar, quando Tom contou toda a história ele lhe disse “ E você está preocupado apenas com a flor? Sua coragem é mais importante do bem estar do amigo que diz amar tanto? Você pode ter dado a semente da flor poente para pessoa certa, mas passou a agir de forma errada”.
Tom percebeu nesse instante o quanto tinha exigido de Tim, o quanto era pesado para este garoto mais novo uma responsabilidade tão imensa.
“O clima perfeito faz a flor se abrir, mas também permite o surgimento de ervas daninhas que podem sufocá-la. A dúvida em si mesmo é como hera, infiltra no coração e destrói até mesmo a mais forte das muralhas”. Tanagus continou “sem saber, meu filho, você deixou mais poderes com Tim do que ele é capaz de carregar, e ele se exigiu, duvidou de si e começou a sentir mal, os sentimentos ruins podem ter danificado a flor”
A tristeza tomou conta de Tom. “Preciso vê-lo o mais rápido possível. Eu abdico de qualquer heroísmo em prol de Tim, ele não merece se sacrificar por uma glória pessoal”.
Tanagus sorriu e aprovou “essa é a verdadeira sabedoria de um herói, não se preocupar com seu reflexo na espada, mas com sua essência”.
O mago se levantou, pegou um pote antigo, onde havia muitas três sementinhas de cor azul. Tirou a tampa e com um pequeno encantamento apenas uma delas sai voando e foi até a mão de Tom, que a segurou forte.
“Rezam as lendas antigas do reino, que esta semente quando germinar, quando a flor dela abrir por completo, será capaz de apagar qualquer dor. Uma lenda mais antiga ainda, diz que uma semente em um milhão se transforma na mesma flor poente. Sinto muito lhe dizer, meu filho, mas pela tristeza que você sente neste momento, muito possivelmente sua flor pode já estar morta. Livre-se dos sentimentos ruins, e deixe a verdadeira alma de herói que há em você surgir e aceitar a efemeridade da vida. Lembre-se essa semente demora muito mais para germinar e só o fará se não se o inimigo de ambas as partes for derrotado”.
Com os olhos assustados Tom indaga ao mago “qual inimigo é esse?”
Tanagus volta sua face igualmente com medo, aquela de quem já enfrentou muitos inimigos e sabe que este é um dos piores, e diz “o cavaleiro da armadura negra, que atinge o coração com flechas de veneno, o rancor.”
Tom saiu correndo, colocou a pedra negra sobre a luz do sol, quando Tim apareceu, ele pode perceber a tristeza no semblante do amigo. “Vou te ver amanhã, esteja perto do Porto do Cisne”.Antes que Tim pudesse recusar ele rompeu o contato.
Pela manhã ele chamou sua amiga Águia Gigante e voaram para cidade capital. Em todo transcurso, Tom só pensava em aliviar o fardo de Tim, tira-lo daquela situação desfavorável, de enxergar aquele coração sereno de novo.
A Águia pousou e Tom disse “talvez eu demore o dia todo, mas isso não ficará sem solução”.
Correu para debaixo de uma grande árvore frondosa, longe da vista da Águia, ninguém deveria ver os dois naquele momento. Esperou por muito tempo, a agonia passou a invadir Tom. Por que Tim não tinha chegado ainda? Por que deixá-lo nessa dúvida cruel sobre seu bem estar? Não era justo, por mais que o fardo tenha sido pesado para Tim, Tom também não merecia sofrer. Ele não conseguia mais ficar sentado, não conseguia mais ficar em pé. Começou a socar a árvore, a chutar tudo que encontrava pelo caminho, pegou o punhal e começou a bater nas pedras, tirando faíscas. Nada atenuava a crescente dor, foi quando deu um longo gritou e começou a chorar. Chorou por seu orgulho ferido, por seu egoísmo, por sua falta de empatia para com os sentimentos de Tim, que não conseguira ser forte o suficiente para cuidar da flor.
Depois de alguns minutos, que pareciam uma eternidade, Tom levantou o rosto e lá estava a face igualmente triste de Tim.
“Por que você demorou tanto?” “ Eu não tinha coragem, Tom. Como eu ia te contar o que aconteceu, como eu acabei me tornando fraco. Não queria me sentir culpado”. “Não há culpados nesta história, acredite em mim”. “Eu tentei eu juro, mas olha no que deu, olha o que a flor se tornou” Tim tirou da sua bolsa o que havia sido a flor poente, estava murcha, morta e negra. Ele virou o rosto para o lado, não queria ver a decepção do amigo, não iria conviver com essa culpa para todo sempre.
Tom tomou em suas mãos aquilo que outrora era belíssima flor. Seria dominado pelo pior dos inimigos, o que poderia se transformar no cavaleiro negro, o rancor? Mais uma vez chorou, não pela coragem e força que não teria mais vindas da magia da flor, mas pelo medo e angústia pela qual o amigo teria passado.
“Juntos seríamos invencíveis. Eu pensava assim, mas não consegui treinar sozinho, não consegui combater todos os males, eu precisava de você ao meu lado, me ensinando e orientando. A insegurança tomou parte, eu fui parando de deixar meus bons sentimentos fluírem, não correspondia mais à altura da flor. O azul foi escurecendo cada vez mais, e um dia quando percebi ela estava negra e eu entrei em desespero. Pensei que conseguiria reverter tudo, que ela poderia voltar a ter as lindas tonalidades, mas quanto mais eu tentava pensar em algo a culpa de ser incapaz de fazer tudo sozinho me invadia, não abria espaço para o bom, e ela foi morrendo cada vez mais. Eu não queria te contar, mas ao mesmo tempo não podia te enganar. Você imagina o tamanho da minha dor? Sua coragem e seu sucesso dependiam de mim, e agora suas chances se foram...”
Essa era a hora de romper tudo, de perdoar, de não deixar nada corromper. Tom não poderia ser fardo pra ninguém, onde houve amizade e energias belas não deveria reinar a raiva e o ressentimento.
“Eu sei meu amigo, era demais pra você carregar. Só me abrace, deixe tudo ir embora” “Eu só precisava da sua compreensão, Tom, só precisava dela” Se abraçaram novamente e quando isso aconteceu a flor começou a se mover e a brilhar. Em seu íntimo Tom sabia o que fazer, esmagou-a toda em sua mão, transformando - a em cinzas e soprou pra bem longe, as partículas do que outrora foram um ser vivo se foram, completaram seu círculo de existência, belo e efêmero. Elas foram subindo e subindo, não seguiam a direção da brisa do mar, iam pro céu, era final de tarde, com muitas nuvens que subitamente foram se movendo como por mágica, e o céu apareceu, e foi quando as lindas cores do pôr – do – sol, amarelo, laranja, vermelho,rosa, roxo, azul e por fim na parte mais alta o negro da noite que se aproximava, as mesmas cores da flor poente.
Os dois garotos heróis sentaram-se e olharam para as montanhas, o lar do herói mais velho, Tom, enquanto o herói mais novo disse “Eu poderia ficar assistindo esse espetáculo pelo resto da minha vida, ao seu lado, meu amigo”.
Tom sorriu para ele, e neste instante colocou a semente, cuidadosamente embrulhada dentro do bolso da calça de Tim, este estava tão absorto na contemplação das cores que nem sequer notou.
Levantou – se e ficou mais uns minutos ao lado do amigo, mas sabia que era de um adeus definitivo “ Tenho que partir, Tom. Meu povo, e minha cidade ainda precisam de mim” . “Mande – me notícias”, disse Tim timidamente. “ Eu preciso readquirir minha coragem, minha força e minha valentia, e agora elas tem que brotar de uma outra fonte. Isso levará tempo, quando conseguir, tenha certeza de que nos falaremos novamente”
Tim e Tom caminharam silenciosamente até onde estava a Águia Gigante. Abraçaram e disseram adeus.
Tim sorria por ter feito o certo, por ter sido honesto, por ainda preservar a amizade com amigo. Tom sorria por ter demonstrado coragem, força e por ter vencido o maior de todos os inimigos, o Cavalheiro Negro do Rancor.
Neste momento sentiu o vento suave lhe beijar as faces, sentiu o céu, sentiu o frio que mais uma vez começava em sua terra. Sentiu a esperança daquela semente que deixou no bolso de Tim, sabia que ela era uma entre milhões, e que um dia ela germinaria, pelos motivos certos e não pelos egoístas de outrora.
Sabia em seu íntimo, que agora era páreo para o maior inimigo de sua cidade, amanhã lutaria mais uma vez com o Dragão Vermelho.
Agradecimentos a Antoine de Saint - Exupéry por me ensinar que um livro de poucas páginas pode ser um dos mais belos e sábios.
Conto redigido ao som de Tron Legacy Soundtrack - Daft Punk