sábado, 24 de dezembro de 2011


Sonhei Com Todos Meus Amigos


Sonhei que estava em um avião e todos meus amigos estavam comigo. Uma viagem para não sei onde, para que lugar, mas era tudo bem real e apreciativo.
Em uma poltrona estava um amigo de adolescência, em outra de juventude, mais a frente um mais recente, desta nova fase de minha vida e em outra poltrona mais um amigo e assim por todo o avião...

Acordei querendo abraçar a todos. Aquele amigo que se mudou pro Velho Mundo e a distância apenas intensificou o que era pra amenizar, aquele amigo que me ajudava com as tarefas de casa e que a distância realmente amenizou os contatos.
Me questionaram quando disse a um amigo, ontem, antes do sonho “Estou com saudades de você.” “ Isso é clima de final de ano?”  

Por conta disso passei o dia me indagando: O que leva as pessoas a ficarem mais emotivas nessas datas?

Acredito que comércio com toda sua campanha e TV com sua influência massiva até podem ajudar. Mas em muitos casos, nessa época, as pessoas entram em recesso no trabalho, muitos de férias do mesmo e dos estudos. Adquirir um pouco de independência dessa vida veloz, permitindo se dedicar com mais tempo e sem preocupações para aquelas pessoas que nos ajudaram na caminhada por um determinado período, ou que ainda estão ali de mãos dadas com você.

Às vezes tenho que conviver com essas vontades não realizadas, esse esperar contínuo por coisas simples, tal como um abraço, uma vez que o ser humano não inventou o teletransporte, mas já que esse conceito existe na mente do homem, um dia ele o criará e nesse dia não apenas eu, mas todos poderão suprir essa vontade crescente dentro de si.

Abraçar; é encostar um coração no outro * Rita Apoena

segunda-feira, 10 de outubro de 2011


Nova


 Nova. Fotografia, 2011.

No amanhecer e entardecer que sou mais feliz. Aquela luz brilhante das primeiras horas do dia me traz esperança de um novo começo, enquanto aquela luz diáfana e tênue do fim de tarde me acalenta, me ofertando o abraço que desejo e nunca tenho.

Estas duas luzes me libertam desta prisão, onde as paredes cheias de espinhos se movem, pressionando este singelo coração.

Quando as vejo no horizonte respiro fundo, me perco novamente em novas esperanças, em novos desenhos, em novas inspirações, em sorrisos de Blake Lively...

           E com isso trilho meus caminhos, simples, todavia tortuosos. Ora me encontro, me contorço e grito. Ora me reinvento, me admiro e produzo.




quinta-feira, 29 de setembro de 2011


Eu, Bailarino das Nuvens

Estas mãos de fogo ainda me tocam
Ruas sombrias onde corações ecoam
Eu, Bailarino das Nuvens

Corda bamba pelo vento inquieta
Passagem insegura tal flor sem pétala
Eu, Bailarino das Nuvens

Então os sussurros sangram
Vento da insegurança, fibras balançam
Eu, Bailarino das Nuvens

Um beijo soa em meus cílios
O deserto de meu desejo agora rios
Eu, Bailarino das Nuvens

Uma estrela cadente sem morrer
Olhos colados para não perder
Eu, Bailarino das Nuvens

Corda ligando prédios nas alturas
Talvez uma queda, hematomas, fraturas
Eu, Bailarino das Nuvens

Alguns centímetros, um giro e um sapateio
Alguns sorrisos, um abraço e um devaneio
Eu, Bailarino das Nuvens

Passagem entre ar de algodão
Traz encanto ao palácio da emoção
Eu, Bailarino das Nuvens

Na corda bamba rio do perigo
Ainda me pergunto por que insisto
Eu, Bailarino das Nuvens



29 de setembro de 2011, 00:04 ao som de Placebo – Happy You’re Gone


quinta-feira, 18 de agosto de 2011


Silêncio


Gosto deste meu silêncio árido, onde percorro sem temer o sol escaldante dos meus sentimentos, onde os dissabores de seus raios me causam queimaduras. Este silêncio que permite que eu enxergue almas distantes e arredias, cactos cobertos de espinhos, que apesar de toda brutalidade ainda fazem brotar flores.

Outras vezes prefiro este meu silêncio evanescente, que me permite observar o espírito daqueles que me cercam. Este silêncio que me faz sorrir quando uma pessoa me mostra pedacinhos de sua essência.

Ainda há aquele meu silêncio, quando meu coração está pulsando junto com outro, quando  abraço outro corpo, silêncio da minha respiração, da minha língua...

Por vezes me inebria, aquele meu silêncio musical que doma meus movimentos, girando-me como papel em redemoinho, silêncio que me acalma.

Por hora, estou farto do meu silêncio melancólico, aquele que esbofeteia os dois lados da face, que nutre minha angústia e medo, silêncio que me desequilibra na corda bamba que atravesso todos os dias, que está amarrada nos topos dos prédios de minhas expectativas. Este silêncio que pesa em minha vara de equilíbrio, o mais mortal de todos.

Ganhei para sempre este silêncio contemplativo e filosófico, que se perde em meus olhares abstratos, silêncio que me inicia nos mistérios da vida. Este silêncio que me ensinou a aceitar a efemeridade de tudo...

Convivo e aproveito do meu silêncio.

Espero que saibas apreciá-lo. Ele surge quando as minhas palavras não são suficientes, quando meus olhos e gestos passam a ser meus versos, minhas piadas, minhas críticas...

Segure-o firmemente em suas mãos, como a mais delicada cria de uma ave, encoste-o em seu peito, só assim sentirá o escândalo nele depositado.

 Ao som de Depeche Mode -  Enjoy The Silence 



sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Vivo com...


Vivo com as promessas matutinas que as cores me trazem
Alimentadas pelo sorriso dourado de uma criança
Que caminhará trôpego por minha lembrança
Que renasce a cada poema daqueles que agora jazem.

Vivo com esta inspiração tímida, porém ousada
Semente verde de raízes encravadas na alma
Cresce como lírio ou a mais branca palma
Cresce sabendo de sua beleza, portanto aclamada

Vivo com a vontade de dizer que sinto saudades dos amigos
Meu ato político contra a falta de tempo da modernidade
Grito de revolta contra os rostos sem face da sociedade
Grito de coragem mais sólido entre todos meus abrigos

Vivo com estes beijos brotando em meu peito fatigado.
Nutridos com o brilho de meus olhos depois dos aplausos
Voar todos irão, como libélulas rubras fugindo dos claustros
Voar todos irão, pelas longínquas cidades do meu mapa rasgado

Vivo com a necessidade de ser novamente amado
E de sentir o gosto salgado e refrescante das lágrimas
De esquecer as incertezas ocultas nas lástimas
De esquecer outros olhares e atender a um novo chamado


Insônia. 05 de Agosto de 2011 às 00:20, ao som de Paris Nights New York Mornings – Corinne Bailey Rae



sábado, 23 de julho de 2011

Star


Amy Winehouse  - (Londres, 14 de setembro de 1983 — Londres, 23 de julho de 2011)

Há tanto que sentimentos que pode ser dito por outras pessoas. Nunca seremos os mesmos depois de nos unirmos intimamente a letras escritas em momentos de emoção entorpecente.

Letra de quem um dia foi traído, e que sentou e escreveu uma música, de quem deixou seu amor partir, e que sentou e escreveu uma música, de quem foi reprimido por expressar sua personalidade de fera, e que sentou e escreveu uma música, de quem um dia teve o rosto coberto por lágrimas negras, e que sentou e escreveu uma música.

Vivemos essa vida intensa, pesada, de pedra, onde nossa personalidade polêmica pode gerar mais ganhos que nossa habilidade artística, simplesmente porque a mídia e a indústria cultural enfiam seus dutos em nossa veia, nos sugam, nos roubam a inspiração, transformando tudo em dinheiro, lucros e índices de audiência.

Como fugir de tudo isso? Só um pouco de paz, um pouco de recuo e um pouco de doença. Doença do espírito, doença quase incurável que nos alcança como um lobo a uma lebre, que poderia afligir qualquer um, consumir em segundos o mais puro e doce coração. E um desses corações, que afirmava não ser bom por inteiro, hoje deixou de pulsar.

Há algo atemporal que imortaliza o mais simples do ser, a música. Essa arte maior que a todos encanta. Fazendo-nos sorrir e chorar, nos embalando nos abraços enamorados, em nossas brigas homéricas ou naquele momento de fossa, quando você acende o cigarro, coloca a mão na cabeça e pensa “não há retorno”.  

Você que muito sentiu, viveu, produziu e por fim se perdeu, hoje deixou um vazio para muitos que recolheram pedacinhos de sua arte e tomaram-se para si, para curar suas próprias feriadas, para selar cartas de amor, para relembrar tempos passados.

Mas não é arte plena que você produziu? Arte quando produzida não pertence mais ao seu criador, mas sim aos seus apreciadores! Jogou essas sementes no ar, genes de sua imortalidade.

Partiu com um sorriso deboche pro mundo, com sua boca com pequenos vestígios de batom que se perdera em copos, de uma maquiagem borrada, veios escuros que secaram sozinhos, reflexos deformados da única saída que encontrou para a loucura de todas as coisas: viver veloz e intensamente.

Retirou-se dos Backstages da Vida e entrou para o Palco das Lendas.

Vá em paz!

Ao som de Tears Dry On Their Own 

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Talvez Seja Só A Juventude

para Marcelo Linhares 
 
É assim que surge o despertar
De uma pequena palavra suave e intensa
De uma pureza presa
Que segura as barras da grade do olhar
Essa tua vontade persistir em ser belo
Uma semente entre latas enferrujadas
Que um dia será árvore frondosa e florida
Força da natureza que rompe obstáculos
Que manterá a todo custo teu tesouro
Tua alma de moleque
Teus maldizeres impróprios
Guardarás como jóia o aroma do chocolate
Tornarás eterno o toque no cabelo do ser amado
Nunca esquecerás das canções para domar os monstros
Seguirá as pegadas em azul até o mais alto do podium
Jamais deixará de lado teus elegantes paços de dança
Talvez seja só a juventude
Onde jorra essa avalanche de emoções
Onde ainda há essa acidez ambígua
Somente estas almas raras sabem se guardar puras
Segure estas tuas jóias, bem forte em teu peito arfante
Estás apenas começando tua aventurosa caminhada
Sabendo que hoje fostes sinônimo de inspiração 


Ao som de The Verônicas - Take Me On The Floor 


sexta-feira, 1 de julho de 2011

Partiu



Salon des Cent - Alfons Mucha. Litogravura. Junho de 1897

Partiu a pouco sem sequer dizer adeus
Desta vez me tirou a inspiração, ao contrário dos outros anos
Mas não sinto mais teu peso de rancor
Não me deixas mais com este semblante
Rosto marmóreo de alguma divindade grega adormecida
Criei certa imunidade à sua inflamação
Só que ainda permaneço com esta raridade
Este príncipe preso em uma torre por feiticeiras metamórficas

Insônia. 01 de julho às 00:38

domingo, 26 de junho de 2011

     Entre Temporais e Copos – de – Leite 



 Requiem - Sylvia Ji . Acrílica em Tela. 121, 9 cm x  60, 9 cm. 2008 . Estados Unidos 


           Passei esses dias me perguntando por quantas tempestades andei e quantas vezes estes temporais quase me tomaram os guarda-chuvas.

Foram muitos, eu sei, mas nenhum deles é tão forte ao ponto de me impedir de seguir em frente, talvez seja a beleza que sempre enxerguei nos relâmpagos, estas manifestações de energia plena, ao contrário daqueles que os temem, sempre quis estar perto de um raio quando este caia em terra. Quando criança sempre ia para a varanda de casa e ficava vendo – os cruzar o céu, ignorando os conselhos dos mais velhos “sai desse lugar, menino”.

Depois das chuvas, eu costumava caminhar pela lama, olhar as pequenas gotas que ficavam presas às folhas, observar os copos – de – leite que cresciam próximos à nascente de água do sítio.

Naquela época eu não sabia que essas flores são tidas como pragas, seus bulbos vieram com escravos africanos, que os usavam como alimento. E essas flores criaram raízes fortes em nosso solo. Naquela época eu apenas queria apreciar esse pequeno mundo, e compreender como essas flores frágeis, que podem atingir até um metro e meio, resistiam a um temporal tão forte e continuavam a ser tão belas quanto.

Talvez porque elas ainda tinham a glória e imponência das margens do Nilo, pois assim eram conhecidas, Lírios do Nilo. Hoje sou capaz de imaginar elas sendo cultivadas por escravas e transportadas aos montes para ornamentar os salões dos faraós. Uma flor abençoada pelos antigos deuses, que resistia às grandes enchentes e cheias do Nilo, apesar de sua fragilidade tinha uma proteção divina contra as intempéries. É esta a resposta a qual chego hoje!

De certa eu observava um espelho, minha imagem em flor. Uma coisa bela e agradável aos olhos, que remete à pureza e a paz, mas que ao mesmo tempo possui um nível de toxicidade considerável. Eu via ali, o meu eu lírico, que desafia as gotas de chuva, frias e ávidas, e que assistia ao espetáculo dos relâmpagos cortando o céu com sua fúria, e permaneciam de pé.

Ainda enfrento minhas tempestades tal como os copos – de – leite, mas ainda tenho que aprender a não me deixar levar pelo veneno entocado de minha alma branca, de passar por tudo de forma etérea, apenas como mais um elemento. Mas sei, da mesma forma que estas flores, que eu também possuo a benção de algum tipo de divindade, que me dá coragem, que segura nas minhas hastes e sussurra em meus ouvidos: “lembre – se daquele dia que eras a flor favorita dos faraós?”.


Ao som de Ion Square - Bloc Party 

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Lapa e Ipanema 


Para Luma 

 
Eder Sallez. Bares da Lapa e Amanhacer em Ipanema. Fotografia. 2010


Sou a alvorada no morro, que beleza!
És promessa de vida de um coração!
Sou a malandragem e a fumaça pesada do cigarro
És a doçura sensual e o beijo cálido do charuto
Sou as calçadas percorridas por um trabalhador
És o calçadão, tapete de estrelas
Sou a mulata que ensaboa roupas e reza
És garota cheia de graça e olhar perdido
Sou a alegria que faltava
És a que sofre calada, solidão
Sou a Senhora Tentação vinda das cordas de aço
És Tereza da Praia, de qual? Não sei
Sou a cachaça
És o uísque
Sou a Lapa
És Ipanema
Sou Cartola
És Tom
Somos estes versos simples e sem graça, de minha autoria
Somos estas idéias magníficas, esplendidamente roubadas
Por um malandro das letras e por uma dama de fala voluptuosa
E que produziram uma única rima final
No meu mundo que é um moinho, fechado verão.
São teus sorrisos, que como águas de março, aliviam meu coração



Ao som de Alvorada – Cartola e Águas de Março – Tom Jobim

domingo, 5 de junho de 2011

Não Floresci 

Inspirado por Agenor de Oliveira

 
Cartola. 1970's

Sou rosa que não floresce antes do tempo, muito menos falo.
No teu inverno ainda sou este frágil botão, coroado de orvalho.
Nota Contra O Comodismo 


Jovem Com A Flor. Marc Riboud. Washington, EUA,1967.
          
A questão não é lutar por "passe livre" ou outras coisas, é mostrar um desconforto geral que a população vem sofrendo e não ter uma negociação final, na verdade a manifestação levou umas palmadas, tal como o filho que chega para mãe pedindo... algo sem parar, a mesma cansada e sem argumentos revida com uns tapas. 

Diálogo sempre impera. 

As manifestações, tal como qualquer forma de arte, visam tirar o ser humano de sua situação de comodismo, mexer com o pensamento e atitudes. Digo que não sei ir pra frente de um protesto, mas seria contraditório eu não apoiar de alguma forma a manifestação e demonstrar repúdio pela forma que os estudantes, menores e jornalistas foram tratados.

Nosso estado possui uma das maiores cargas tributárias do país, principalmente no que concerne à gasolina. Eu moro na divisa com MG, é impressionante a diferença de preços, as pessoas atravessam a fronteira só para comprar gasolina, e nós temos mar, nós temos produção. O que justifica isso? São essas ações mal explicadas que geram um desconforto em todos nós, geram essa vontade de gritar, de se revoltar. 

Mesmos aqueles que condenam uma manifestação já se revoltaram com algo, de forma diferente, já brigaram, espernearam choraram. Por que não aceitar algo público e coletivo? Isso eu ainda não tenho resposta, sei apenas que nunca consiguirei ser comodista, aceitar tudo que me impõe, luto sempre contra minha realidade de uma forma ou de outra, pois há diversos meios para tal. 

Comodismo e individualismo são valores que geram uma falsa indiferença de um ser humano para com outro, criando valores elitistas, inserem-se em nós mesmos como pequenas células adiposas ou cancerígenas, e se não lutarmos contra isso estamos fadados a morrer em vida, que é uma das piores mortes.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Junho I


Noite Estrelada - Vincent Van Gogh. Junho de 1889. 73 x 92 cm. Óleo sobre tela. Museu de Arte Moderna. Nova York, Estados Unidos 



Chegam juntos o frio e a névoa
Anunciando seu início, Juno
Que me desarma com sorrisos
Que me deixa em introspecção profunda
Impelindo-me para minha casa, a concha
Mês das noites em espiral
Profundas e mortais como o olho de um furacão
Tempo de sentimentos inflamáveis
Todos a deriva, nuvem mortal de balões de São João
Impetuosa, és às vezes, Mãe dos Deuses
Morde e assopra
Quem levarás desta vez?
Um astro do pop ou um mestre da literatura?
Nem sequer me ensinou a escrever cartas
Para te ludibriar envio canções aos amores
De suma nada permanece o mesmo
Nunca teve consideração
Sempre coloca diante de mim este espelho
Onde me vejo tal como sou
Esta besta esquizofrênica de três cabeças
Coroadas por cândidas angélicas
Todavia deu-me atributos impares
Ouvir estrelas e ser rosa
Tal como esta, acabo por não falar
Apenas canto, e raramente encanto
Ser ladrão de pores – do – sol
Junho que me fez amador
Junho que me fez amante



(Insônia, 01 de junho, 00:00h, ao som de Ava Dore – The Smashing Pumpkins)


terça-feira, 31 de maio de 2011


Tim e Tom 

 
Eder Sallez - Tim e Tom. Giz Pastel Sobre Papel. 28, 5 x 20,5. 2011 



I

Tom era o mais velho e tinha ido para um grande baile com um antigo amigo muito querido. Essas terras da capital de seu reino sempre o fascinavam, eram as possibilidades, as expectativas, essa vontade ferrenha de conhecer o novo. Esse pequeno grande garoto, deste mundo mágico, que pegava seu pássaro mágico e aterrissava placidamente na principal cidade do reino.

Aquela comemoração toda não era tão convidativa, havia algo de estranho em tudo aquilo, algumas pessoas não eram as mesmas que ele estava acostumado, chegam o tempo todo nele, como se soubessem o que ele carregava dentro de si.

A semente da flor poente, o próprio Tom tinha se esquecido disso. Era presente de um antigo e poderoso mago, chamado Tanagus, quando entregou ao garoto a semente ele disse “ quando a flor surgir ela te transformará no garoto mais poderoso, forte e corajoso de todo o reino, mas lembre-se, ela não floresce sozinha, ela precisa de uma outra pessoa com a alma tão pura quanto a sua, e quando encontrares você deverá deixar a flor com esta pessoa, só assim ela deixará o poder fluir não só para você mas para o escolhido, a melhor dádiva é aquela que podemos compartilhar”.

A semente estava dentro de uma bolsinha, dourada e com detalhes em fios de ouro, lacrada por uma fita de seda azul, ficava presa a uma corrente que Tom carrega no pescoço, era do tamanho de um pingente.

Ele caminhou por essa festa, por essa sucessão de pessoas desmedidas que sentiam que ele possuía a semente da flor poente. Seu amigo tinha se perdido, conversando com outros garotos e garotas, enquanto aqueles ladrões sorrateiros, com sorrisos vis e cruéis lhe causavam medo. Que tipo de festa era essa que reunia homens de bem ao lado de ladrões e trapaceiros? A capital do reino tinha seus estranhos hábitos. Quando estava imerso em seus pensamentos, um dos ladrões, o mais esperto, viu a bolsinha com a semente, reconheceu na hora do que se tratava, e com todas as forças tentou pegá-la. “Você não é digno de te-la, somente as pessoas da capital do reino é que podem possuir tal objeto, e ele será meu, queira você ou não”.

Tom assustou-se, seu coração parecia saltar pela boca, estava com medo, toda forma assustadora do baile estava ali solidificado neste ladrão que tentava lhe tirar o querido presente que tinha. Saiu andando depressa por um e outro, desviando dos olhares quando esbarrou em outro garoto, que aparentemente estava perdido, assim como ele, mas quando olhos nos olhos do menino, sabia que não era um dos ladrões, ou aprendizes, já que os pequenos garotos também carregam um potencial para o indevido.
Nunca conseguiu explicar aquela confiança súbita que sentiu no garoto, que olhou fortemente nos olhos de Tom e disse “Venha, eu posso ajudar você. Esse mesmo ladrão já tentou me roubar coisas preciosas.” Foram para um canto do salão de festas, onde havia uma vista para o infinito oceano, onde a lua cheia emitia sua luz diáfana sobre as poltronas e as plantas do local.

“Chamo-me Tim, e você quem é? Sei que não é desta cidade, posso ver essas coisas em você”. Tom sorriu e disse “Sou Tom, venho de uma cidade próxima à capital do Reino, vim para esta festa para me encontrar com um amigo muito querido irá fazer uma longa viagem, para um reino tão mágico quanto este, porém muito mais distante”. “Mas não era por isso que aquele ladrão asqueroso queria lhe atacar, não é mesmo, qual a razão? Pode confiar em mim”. Tom respirou forte, neste instante a semente da flor poente sacudiu dentro daquela bosinha dourada, em todos aqueles anos que vinha guardando aquele tesouro nunca isso tinha acontecido, ela estava pedindo para germinar? Não havia outra explicação. Tom sabia que quando a flor surgisse, ela lhe traria poderes então ele vivia segurando firme aquele desejo de ser forte e corajoso, o mais valente garoto de sua cidade, que poderia derrotar os gigantes, punir as bruxas e matar os dragões, pois sua cidade era pequena, mas recheada de perigos mortais. Ser forte, ser reconhecido.

“Eu carrego uma semente de flor poente, elas são muito raras e poderosas”. Respondeu quase subitamente, entregando-se àquela confiança súbita que desenvolveu para com Tim. “Eu sou mais novo que você, mas já vi algumas, eu mesmo pensava que eram lendas. Elas são muito raras e valiosas, principalmente aqui no reino. Devemos sair daqui o quanto antes. Você está no lugar errado Tom. Encontre seu amigo, vou te ajudar a escapar daqui”.

Tom não precisou se esforçar para encontrar seu amigo, em pouco tempo ele passou correndo por Tom e Tim, estava assustado e preocupado. “Tom, me desculpe por deixá-lo sozinho, uma amiga nossa está com sérios problemas, foi atacada por uma bruxa, não deveríamos ter vindo a esta festa. Estou indo ajudá-la.” O amigo de Tom saiu pela grande porta do salão do reino, pegou sua carruagem e foi realizar um ato heróico.

“Tenho que voltar para casa, mas este lugar me desgastou. Minha Água Gigante está muito distante daqui”. Disse Tom para Tim. “Já disse que posso resolver tudo, não é porque sou mais novo que você que não posso ser tão esperto quanto”. Ao acabar de pronunciar essas palavras, Tim guiou Tom para fora do local, alguns ladrões e malfeitores ainda estavam na saída, alguns ainda olhavam para ele, cientes de que havia algo que pudessem roubar dele, mas Tim os encarava com tanta força no olhar, aquele olhar era capaz de domar o mais malvado dos dragões, ou de cativar o mais belo dos unicórnios.

Tim murmurou umas palavras estranhas, seria mágica? Seria ele aprendiz de mago? Tom nunca saberia, mas em pouco tempo havia uma carruagem. “Onde está sua Águia Gigante?” “Próxima ao Porto do Cisne”  “Magnífico, minha moradia fica a caminho, posso pedir ao senhor que conduz os cavalos para lhe deixar lá, estarás seguro”.

Quando os dois garotos entraram, a semente ganhou um brilho novo, parecia cegar a ambos. Algo mudou dentro de Tom, ele captou a alma pura de Tim, ele tinha o potencial para cultivar a pequenina semente, estava certo disso.

Tom tirou a fita azul que lacrava a bolsinha dourada, abriu cuidadosamente, e pegou a semente nas mãos, o brilho era ao mesmo tempo de todas as cores. “Que lindo” exclamou Tim maravilhado por tamanha beleza. “É sua, meu amigo, o mago Tanagus, disse que ela só germinaria quando eu encontrasse uma pessoa tomada por bondade”.  “Mas eu não posso aceitar, é muita honra”. “A semente tem certa vontade, nem todos os acontecimentos dependem de decisões pensadas. É sua, por favo, pegue-a”.  Tim pegou cuidadosamente no tesouro que era de seu amigo, e agora se tornava seu.  “É linda, é reconfortante. Serei eu capaz de fazê-la brotar? Não sei se posso”.  “Eu preciso de força para enfrentar todos os perigos que me rodeiam, a flor me trará isso e também te dará forças, eu garanto” Tim não teve outra escolha e aceitou o presente de Tom.

Em pouco tempo a carruagem passou pela casa de Tim. “Essa é minha modesta moradia” Tom olhou para a casa, até mesmo nela havia um brilho bonito, da mesma forma que ele via nos olhos de Tim, aquela pureza, aquela vontade de fazer o bem. “Quando estiver em apuros no reino, sabe onde me procurar”. Tim tirou então de seu bolso dois pequenos amuletos, pedrinhas negras muito bonitas e brilhosas.  Pegou uma e colocou na mão de Tom. “Essas são pedras da comunicação, por elas não perderemos contato, e você saberá como a sua flor está. Todos os dias, na última hora de sol do dia, você deixará que os raios batam nela, e assim minha imagem aparecerá para você, e seremos capazes de nos comunicar. Este também é um presente que eu deveria compartilhar com alguém. Cuide-se Tom, já que a necessidade de viver aventuras não nos esconde do perigo, sei que isso de alguma forma rege seu viver, Tom. Tome cuidado e retorne em paz”.

Abraçaram-se demoradamente e Tom seguiu para o Porto do Cisne, onde sua Águia Gigante estava preocupada e lhe esperando. “Tom, seu levado, se não houve uma proibição para nós águias de ir até os salões do reino, eu já teria ido atrás de você”. Tom sorriu e disse para a amiga “não se preocupe, estou bem e ainda encontrei alguém para cuidar da semente da flor poente”. “Isto é fabuloso, Tanagus ficará satisfeito por você ter descoberto” Disse a Águia Gigante. “E eu serei o mais forte guerreiro de minha cidade, vamos voar de volta minha amiga”.

A águia ergueu suas imensas asas, o movimento delas movendo galhos e flores. O vento batia suave no rosto de Tom e em seu sorriso. O sol nascia no mar, as silhuetas do garoto de águia se perdiam no horizonte sul, em direção às montanhas.  




II

Assim se passaram os dias e a comunicação entre Tim e Tom era freqüente. Todos os dias à tarde Tom colocava a pedra negra sobre os raios de sol, e logo na outra cidade a pedra negra de Tim brilhava e um poderia ver a imagem do outro.

“Ela está crescendo, Tom! Você precisava ver! Tenho que me render, você estava certo, eu posso cuidar para que ela cresça e floresça”.

Nessa hora Tom abriu um largo sorriso.

A força dentro de Tom passou a crescer, de forma imprevista. Certo dia ela foi capaz de capturar um gigante que por maldade estava pisando nas videiras dos camponeses. Tom preparou uma armadilha, colocando uma corda de um canto a outro, presa das rochas, estava bem baixa, o gigante passava por ali todos os dias e nem ia perceber.  E não deu outra, em pouco tempo o gigante de quase quatro metros caia e batia a cabeça no chão, sem tardar Tom amarrou-o bem forte. Todos do vilarejo da cidade o aplaudiram, ele sentiu tão orgulhoso disso e pensou “graças à flor poente e a Tim”.
“Tom, Tom, tem um lindo botão, ele está todo tímido e é branco”. Exclamou Tim todo alegre para o amigo “é branco, minha cor favorita, toda vez que chego próximo a ele fico parado, dominado por uma força que me traz paz”. Então Tom contou para o amigo que tinha derrotado um dos gigantes malvados. “Deve ser por isso Tom, a flor está surgindo e com elas suas forças, em breve será um dos maiores heróis que esta terra já viu”.

Dois dias depois, duas criancinhas foram aprisionadas por uma bruxa que morava no topo de uma das montanhas. Tom foi até o castelo da bruxa, munido de seu pequeno punhal, esperou paciente até anoitecer, quando a mulher malvada saiu voando em sua vassoura, ele entrou dentro, libertou as crianças que ainda não haviam sido enfeitiçadas para serem escravos. E não foi apenas isso, ele entrou até a sala de jantar, e em cada refeição feita por seus escravos, ele colocou gotas de uma poção que faria a bruxa dormir por muitos e muitos anos, essa poção dada por Tamagus, já que neste reino os magos e bruxas não podiam se confrontar diretamente. Sua cidade estava livre de mais um dos perigos mortais.

No outro dia, Tim lhe disse que a flor tinha aberto e era linda, mas que já não era mais branca, como aparentava, e sim amarela. “Foi por isso então, ontem eu consegui derrotar a bruxa que mora nas montanhas” Contou Tom para Tim, e ambos comemoraram a vitória de Tom. “Tem alguma coisa acontecendo comigo também, Tim. Eu sinto-me mais forte e corajoso, sinto necessidade de lidar com perigos, iguais a este que você vem combatendo”. “Você pode se tornar um herói também, basta você querer e também usar as boas energias da flor”. “Eu não tenho capacidade pra isso, não sou tão bom quanto você, nunca vou chegar a fazer um ato heróico parecido”. “Se você enxerga em mim sabedoria e valentia, não há como não você negar o bem e o potencial que vejo em sua pessoa. Um coração puro sabe reconhecer outro”.

Tim ficou infinitamente feliz com as palavras sábias do amigo, ele sentiu neste instante uma força de vontade imensa, passou a ter Tom com um dos exemplos a seguir.
Passaram mais alguns dias e em quase todos eles se falavam. A flor ia mudando de cor, passou do amarelo, para o laranja, depois para o vermelho, rosa, e estava se tornando roxa. Tom estava realizando pequenos feitos, ele dizia pra si mesmo que estava preparando para realizar o maior feito, o de lutar contra o Dragão Vermelho.

“Mas antes, Tom, você tem que voltar aqui, tem que ver como esta sua flor, ela está linda, tenho cuidado dela todos os dias, pacientemente”.  

“Você está dizendo que devo lhe visitar?” Sim por que não? Não foi você mesmo que disse que eu tenho potencial para me tornar um herói tão bom quanto? Essa força que a flor também me concedeu está na hora de ser direcionada. Espero-te, pode ficar em minha casa”.

Tom sentiu-se imensamente feliz, antes ele era treinado e agora passaria a guiar alguém nesta vida heróica. Não era responsabilidade demais para um garoto ajudando outro mais novo a enfrentar os perigos e aventuras daquele reino distante?

Mesmo com todas as intempéries, pois uma chuva torrencial havia atingido o reino por dias, ele e sua Águia Gigante resolveram ir à cidade capital, mais uma vez. A curiosidade em saber como estava a flor poente era maior do que o peso da responsabilidade de treinar alguém.

A Águia Gigante posou no mesmo local de outrora, pois a casa de Tim ficava próxima aos salões, elas estavam proibidas de ir até esta área também, mais uma das leis inexplicáveis deste reino.  “Cuide – se Tom, não quero saber de ladrões e malfeitores rodeando-te mais uma vez, como me contou da última vez. Acho que não preciso me preocupar enquanto isso, pois a flor já cresceu e você não guarda mais a semente. Daqui dois dias eu virei novamente de buscar”. A Águia Gigante ergueu as assas e saiu sob a chuva fina e fria.

Estava no local como combinado, e Tim não parecia. Sentiu-se só subitamente. O amigo não mais viria? E se parecessem aqueles ladrões famigerados novamente? Lutaria com todos, pois agora não tinha mais medo, ele tinha coragem, a flor poente era o que conferia isto ao garoto herói.  Quando ainda pensava nisso tudo, viu Tim chegando, com aquele sorriso belo e olhos brilhantes, a luz de guerreiro nato, agora conseguia definir o que não tinha feito antes, a flor poente tinha revelado por inteiro esta força interior, essa garra que Tim possuía, a mesma que Tom.

Os dois amigos abraçaram-se por um longo tempo, como se assim a saudade de tanto tempo se dissipasse. “Vamos, vamos Tom. Temos que ir pra casa, a flor poente está lá, linda como nunca”.

Ao chegar à casa de Tim, ele percebeu que o garoto morava sozinho como ele, mas havia outras casas ao redor da sua. “São meus guardiões, todos eles dizem que um dia eu farei algo muito especial, cuidam de mim desde que meus pais se foram”. Perdas eram complicadas, Tom mesmo sabia, pois ele tinha sido criado por Tanagus, da mesma forma, achou melhor não abordar muito o assunto. Queria apenas a felicidade que a flor lhe produziria. Subiram correndo as escadas que davam para a casa de Tim, que o levou correndo para o jardim e lá estava ela. Já era noite, mas ao redor tinha um brilho diáfano, de cor violeta e azul, pois era a cor que ela tinha no momento.

“Ela é linda, ela se tornou minha força. Olha que trabalho mais lindo que você fez, Tim. Me deixou extremamente orgulhoso”. Ele abraço forte o amigo e disse olhando em seus olhos “amanhã vamos começar seu treinamento”

Quando o sol nasceu, Tom que sempre era o mais disposto acordou Tim e eles começaram a treinar.Tim mostrou-se tão bom quanto Tom no manejo do punhal, ao levantar peso, ao atirar com as flechas. “Como pode saber isso tudo? Está melhor que eu, pronto pra um combate verdadeiro” Tim sorriu e respondeu “ nem eu sabia dessas habilidades, devem ser meus ancestrais guerreiros falando alto, eles já moravam aqui antes das pessoas chegarem para habitar essa terras, devo ter herdado o espírito de guerra deles”. Tom largou as armas e disse “ Não só isso, esses espírito se manifestou graças aos esforços que fez para cuidar da flor. Me conte agora, o que você fez para que ela vigorasse tão depressa?” Tim ficou calado nessa hora, era seu maior segredo, não poderia revê-lo assim. “Prefiro não revelar” “Mas eu tenho o direito, a flor não é apenas sua, tenho parte nela” Tim viu que se não contasse o amigo ficaria triste e desconfiado “ Eu apenas desejei força a você, que tivesse toda coragem, inteligência e astúcia para ser o herói que sempre quis ser, quanto mais sincero era esse meu desejo, mais a flor crescia”.

Era a prova mais bela de amizade e consideração que havia tido. Tom sentiu-se a pessoa mais feliz do mundo, naquele momento que durou segundos. “Obrigado, nunca irei te desapontar, nunca serei vencido diante destes perigos”.

No outro dia, Tim e Tom escolheram juntos combater ladrões e salteadores, estes malfeitores moravam no mesmo local. Enquanto Tim lutava com os ladrões, derrubando cada um deles com socos certeiros ou flechadas nas pernas, Tom corria e colocava tudo que essas pessoas tinham roubado em um grande saco e os dois fugiram dali. Entregaram todas as coisas para os cavalheiros do Rei, assim como disseram que todos os ladrões encontravam-se amordaçados, amarrados e presos no galpão que usavam para esconder as peças roubadas. “Garotos, vocês dois juntos podem ser invencíveis”. Eles se olharam e riram, juntos seriam poderosos e os maiores heróis do reino, só estavam começando suas jornadas.

Treinaram durante o último dia juntos, mas Tim não parecia satisfeito no final. “Juntos somos mais poderosos, você realmente tem que voltar para sua terra?” . “Sim, eu devo, Tim. Tenho deveres que me chamam, tenho que livrar-la do Dragão Vermelho, que é o maior mal que ainda a assola, antes disso não posso. Espero que compreenda, ainda quero lutar e ser reconhecido ao seu lado, mas ainda não é chegado o tempo. Você cuidará da flor poente para mim?”. “Eu vou tentar, eu sou forte acredite em mim, assim como acredito em sua bravura”.

Já não chovia mais, Tim foi levar Tom ao Porto do Cisne e a Águia Gigante já descia para buscá-lo. Abraçaram-se novamente, Tom olhou nos olhos de guerreiro de Tim, havia um brilho diferente, era uma lágrima. “Eu volto, seja forte, ainda temos uma imensa guerra pela frente, seremos aqueles glorificados no final. Não existe palavra em qualquer língua deste reino que agradeça sua amizade e seu cuidado com a flor e comigo”. “Obrigado por esses dias mágicos, Tom. Sentirei sua falta, parta em paz.”
A Águia Gigante levantou voou, o vento forte desprendeu ciscos e poeira do chão. Tim fechou os olhos e os protegeu com as mãos, afastou alguns passos e quando os abriu novamente, estavam turvos pelas lágrimas, mas mesmo assim ainda viu o amigo, que voava com a águia lhe acenando.

Dias depois, munido da força maior que tinha encontrado, Tom tentou enfrentar o Dragão Vermelho, foi com tudo, desde vez possuía uma lança e um escudo para lhe proteger, mas apesar de todo preparo e treino o Dragão Vermelho foi muito mais esperto, e quase o matou, despejou suas flamas no braço do herói garoto e o deixou ferido.

Como isso era possível? Ele agora não tinha absorvido toda a força da flor poente? Não sentia isso?

Havia algo estranho, pois há dias tentava falar com Tim e não conseguia.

Um medo terrível invadiu o coração do pequeno herói, alguma coisa tinha mudado em definitivo, ele sentia isso.





III

“Não venha mais até aqui. Não posso te iludir que sou capaz de cuidar da flor mais. Estou cansado de tudo isso”.

Estas foram as palavras que deixaram Tom desesperado, sem a flor não poderia ser o herói, não teria toda coragem suficiente. Em poucos dias ele entrou em desespero.
Tanagus vendo seu protegido sofrendo logo foi lhe questionar, quando Tom contou toda a história ele lhe disse “ E você está preocupado apenas com a flor? Sua coragem é mais importante do bem estar do amigo que diz amar tanto? Você pode ter dado a semente da flor poente para pessoa certa, mas passou a agir de forma errada”.

Tom percebeu nesse instante o quanto tinha exigido de Tim, o quanto era pesado para este garoto mais novo uma responsabilidade tão imensa.

“O clima perfeito faz a flor se abrir, mas também permite o surgimento de ervas daninhas que podem sufocá-la. A dúvida em si mesmo é como hera, infiltra no coração e destrói até mesmo a mais forte das muralhas”. Tanagus continou “sem saber, meu filho, você deixou mais poderes com Tim do que ele é capaz de carregar, e ele se exigiu, duvidou de si e começou a sentir mal, os sentimentos ruins podem ter danificado a flor”
A tristeza tomou conta de Tom. “Preciso vê-lo o mais rápido possível. Eu abdico de qualquer heroísmo em prol de Tim, ele não merece se sacrificar por uma glória pessoal”.

Tanagus sorriu e aprovou “essa é a verdadeira sabedoria de um herói, não se preocupar com seu reflexo na espada, mas com sua essência”.

O mago se levantou, pegou um pote antigo, onde havia muitas três sementinhas de cor azul. Tirou a tampa e com um pequeno encantamento apenas uma delas sai voando e foi até a mão de Tom, que a segurou forte.

“Rezam as lendas antigas do reino, que esta semente quando germinar, quando a flor dela abrir por completo, será capaz de apagar qualquer dor. Uma lenda mais antiga ainda, diz que uma semente em um milhão se transforma na mesma flor poente. Sinto muito lhe dizer, meu filho, mas pela tristeza que você sente neste momento, muito possivelmente sua flor pode já estar morta. Livre-se dos sentimentos ruins, e deixe a verdadeira alma de herói que há em você surgir e aceitar a efemeridade da vida. Lembre-se essa semente demora muito mais para germinar e só o fará se não se o inimigo de ambas as partes for derrotado”.

Com os olhos assustados Tom indaga ao mago “qual inimigo é esse?”
Tanagus volta sua face igualmente com medo, aquela de quem já enfrentou muitos inimigos e sabe que este é um dos piores, e diz “o cavaleiro da armadura negra, que atinge o coração com flechas de veneno, o rancor.”

Tom saiu correndo, colocou a pedra negra sobre a luz do sol, quando Tim apareceu, ele pode perceber a tristeza no semblante do amigo. “Vou te ver amanhã, esteja perto do Porto do Cisne”.Antes que Tim pudesse recusar ele rompeu o contato.
Pela manhã ele chamou sua amiga Águia Gigante e voaram para cidade capital. Em todo transcurso, Tom só pensava em aliviar o fardo de Tim, tira-lo daquela situação desfavorável, de enxergar aquele coração sereno de novo.

A Águia pousou e Tom disse “talvez eu demore o dia todo, mas isso não ficará sem solução”.

Correu para debaixo de uma grande árvore frondosa, longe da vista da Águia, ninguém deveria ver os dois naquele momento. Esperou por muito tempo, a agonia passou a invadir Tom. Por que Tim não tinha chegado ainda? Por que deixá-lo nessa dúvida cruel sobre seu bem estar? Não era justo, por mais que o fardo tenha sido pesado para Tim, Tom também não merecia sofrer. Ele não conseguia mais ficar sentado, não conseguia mais ficar em pé. Começou a socar a árvore, a chutar tudo que encontrava pelo caminho, pegou o punhal e começou a bater nas pedras, tirando faíscas. Nada atenuava a crescente dor, foi quando deu um longo gritou e começou a chorar. Chorou por seu orgulho ferido, por seu egoísmo, por sua falta de empatia para com os sentimentos de Tim, que não conseguira ser forte o suficiente para cuidar da flor.
Depois de alguns minutos, que pareciam uma eternidade, Tom levantou o rosto e lá estava a face igualmente triste de Tim.

“Por que você demorou tanto?”  “ Eu não tinha coragem, Tom. Como eu ia te contar o que aconteceu, como eu acabei me tornando fraco. Não queria me sentir culpado”. “Não há culpados nesta história, acredite em mim”. “Eu tentei eu juro, mas olha no que deu, olha o que a flor se tornou” Tim tirou da sua bolsa o que havia sido a flor poente, estava murcha, morta e negra. Ele virou o rosto para o lado, não queria ver a decepção do amigo, não iria conviver com essa culpa para todo sempre.
Tom tomou em suas mãos aquilo que outrora era belíssima flor. Seria dominado pelo pior dos inimigos, o que poderia se transformar no cavaleiro negro, o rancor? Mais uma vez chorou, não pela coragem e força que não teria mais vindas da magia da flor, mas pelo medo e angústia pela qual o amigo teria passado.

“Juntos seríamos invencíveis. Eu pensava assim, mas não consegui treinar sozinho, não consegui combater todos os males, eu precisava de você ao meu lado, me ensinando e orientando. A insegurança tomou parte, eu fui parando de deixar meus bons sentimentos fluírem, não correspondia mais à altura da flor. O azul foi escurecendo cada vez mais, e um dia quando percebi ela estava negra e eu entrei em desespero. Pensei que conseguiria reverter tudo, que ela poderia voltar a ter as lindas tonalidades, mas quanto mais eu tentava pensar em algo a culpa de ser incapaz de fazer tudo sozinho me invadia, não abria espaço para o bom, e ela foi morrendo cada vez mais. Eu não queria te contar, mas ao mesmo tempo não podia te enganar. Você imagina o tamanho da minha dor? Sua coragem e seu sucesso dependiam de mim, e agora suas chances se foram...”
Essa era a hora de romper tudo, de perdoar, de não deixar nada corromper. Tom não poderia ser fardo pra ninguém, onde houve amizade e energias belas não deveria reinar a raiva e o ressentimento.

“Eu sei meu amigo, era demais pra você carregar. Só me abrace, deixe tudo ir embora” “Eu só precisava da sua compreensão, Tom, só precisava dela” Se abraçaram novamente e quando isso aconteceu a flor começou a se mover e a brilhar. Em seu íntimo Tom sabia o que fazer, esmagou-a toda em sua mão, transformando - a em cinzas e soprou pra bem longe, as partículas do que outrora foram um ser vivo se foram, completaram seu círculo de existência, belo e efêmero.  Elas foram subindo e subindo, não seguiam a direção da brisa do mar, iam pro céu, era final de tarde, com muitas nuvens que subitamente foram se movendo como por mágica, e o céu apareceu, e foi quando as lindas cores do pôr – do – sol, amarelo, laranja, vermelho,rosa, roxo, azul e por fim na parte mais alta o negro da noite que se aproximava, as mesmas cores da flor poente.

Os dois garotos heróis sentaram-se e olharam para as montanhas, o lar do herói mais velho, Tom, enquanto o herói mais novo disse “Eu poderia ficar assistindo esse espetáculo pelo resto da minha vida, ao seu lado, meu amigo”.
Tom sorriu para ele, e neste instante colocou a semente, cuidadosamente embrulhada dentro do bolso da calça de Tim, este estava tão absorto na contemplação das cores que nem sequer notou.

Levantou – se e ficou mais uns minutos ao lado do amigo, mas sabia que era de um adeus definitivo “ Tenho que partir, Tom. Meu povo, e minha cidade ainda precisam de mim” . “Mande – me notícias”, disse Tim timidamente. “ Eu preciso readquirir minha coragem, minha força e minha valentia, e agora elas tem que brotar de uma outra fonte. Isso levará tempo, quando conseguir, tenha certeza de que nos falaremos novamente”

Tim e Tom caminharam silenciosamente até onde estava a Águia Gigante. Abraçaram e disseram adeus.

Tim sorria por ter feito o certo, por ter sido honesto, por ainda preservar a amizade com amigo. Tom sorria por ter demonstrado coragem, força e por ter vencido o maior de todos os inimigos, o Cavalheiro Negro do Rancor.

Neste momento sentiu o vento suave lhe beijar as faces, sentiu o céu, sentiu o frio que mais uma vez começava em sua terra. Sentiu a esperança daquela semente que deixou no bolso de Tim, sabia que ela era uma entre milhões, e que um dia ela germinaria, pelos motivos certos e não pelos egoístas de outrora.

Sabia em seu íntimo, que agora era páreo para o maior inimigo de sua cidade, amanhã lutaria mais uma vez com o Dragão Vermelho. 


Agradecimentos a Antoine de Saint - Exupéry  por me ensinar que um livro de poucas páginas pode ser um dos mais belos e sábios. 

Conto redigido ao som de Tron Legacy Soundtrack - Daft Punk 






 

Quero Ter Vergonha


Quero ter vergonha dos meus exageros imprevisíveis, dos meus acessos sentimentais que tem se transformado em frases verdes, que em minha pressa não comedida, escapam do pomar da minha mente e logo saem trôpegas, coitadas, mas saem.

Vergonha dos meus travesseiros, que já pedem para que eu não os abrace mais e não mais os abrace, já estão se afogando com todas minhas carências e choros sem lágrimas. Essa vergonha que minha esperança grudou na carne, vergonha dos olhares e dos juízos. Se aparento ser tão seguro, por que as ventos brincam comigo como fazem com cata-vento?

Meu rosto precisa ficar rubro com os cantores e escritores que me definem, pois cada dia eles sobem mais um degrau da escadaria do clichê. Vergonha deveriam ter as pessoas que os citam sem assimilá-los, essa pseudo – intelectualidade das redes sociais. Essa vergonha alheia, tal como entidade de candomblé, se não baixa em quem deve, baixará no mais próximo.

Anseio por essa vergonha prazerosa promovida pela ressaca, dos casos que nos permitimos ter, de quando observamos hematomas de origem desconhecida, daquela mais uma dose que nunca tem fim.

Vergonha das cartas com corações, das três palavras mágicas que fodem com tudo, dos apelidos carinhosos, do futuro disso tudo que, como sempre, é duvidoso.

Vergonha dessa vida de poeta de moeda, cara encantador, coroa marginal.

Vergonha, esse sentimento daqueles que ocultam uma necessidade humana tão básica através de uma imensa parede, feita da liga mais resistente: arrogância e falsa indiferença.

Quero ter vergonha de roubar frases e idéias literárias e de apenas encobri-las com meus devaneios. Vergonha dos textos que escrevi no mês passado, vergonha que terei daqui uns meses quando ler novamente estas frases exageradamente verdes, que meus pensamentos turvos e desenfreados, neste momento, consideram maduras.

(Insônia, 31 de maio de 2011, 00:15, ao de Mal Nenhum - Cazuza)


domingo, 29 de maio de 2011

In This Dusty Rabbit Hole 




Vídeo de iamamiwhoami - ; john, 2011


       Que meus sonhos sejam como este vídeo com os raios solares tímidos e sons de sintetizadores que me animem a acordar cantando, para mais um ciclo de existência.
Rabbit Heart feat. Hearts A Mess


Eder Sallez. Featuring Poético - Metralhadora. Nanquim e Aquarela. 20,5 x 29, 0 cm. 2011. 
( Desenho inspirado no texto "Metralhadora" de Fabiano Alexandrino.)



Metralhadora 


Procure você acha
Ache você usa
Use você compartilha
Compartilhe você se mostra
Mostre, mostre
Mostre o que você tem
Mostre pra que você vem
Mostre a cara que tem
Pegue o que vão te dar
Use aquilo que dei
Ame aquilo que mostrei
Me devolva com um pouco de você

Texto improvisado na aula de comunicação e expressão, na noite de quarta-feira dessa mesma semana. 


Fabiano Alexandrino  -  http://heartsamess.blogspot.com

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Mentiras


Shirley Manson no vídeo "Why do you love me?" 2005



Acordo com mentiras novas, todas as manhãs
Essas verdades inventadas
Repudiadas como prostitutas
Mentiras do âmago quando diamantes
Metamorfoseiam- se em verdades
Verdades que se tornam bem querer
Base para a construção do amor
Transferi estas inverdades para minhas falas
Para meus versos, prosas e desenhos
Mentir é permitido apenas aos artistas
Estas mentiras criadas para o deleite dos espectadores
Que arrancam risos, aplausos, admirações e lágrimas
Mentiras, filhas da Inspiração.

Máscara Veneziana 

Para URB


A Lua. Carnaval em Veneza - Lorena Barbier. 2011



Mentes para ti mesmo deste que passou a seguir este caminho
Quando preferiu aprisionar tua bela essência em uma gaiola de ferro em brasa
E colocou sua máscara veneziana de falsidade
Andas pela rua ao lado de tua cadela sarnenta,
Cadela com a boca espumante de raiva,
Cadela que te guia, como o cego que tornastes
A cadela Hipocrisia
Não há vestígios de raio de sol em teu caráter?
Já arrancastes de mim lágrimas ardentes
Com tuas palavras de nocaute
Hoje há um distanciamento profundo
Que reina dentro dos condados de meu pensamento
Onde a dúvida passeia placidamente
O dragão das flamas impróprias e inconvenientes
A princesa sendo comprimida por paredes cheias de lanças letais
Será que és o dragão ou a frágil princesa?
Seu carnaval está por um fio
Muitos já vêem a verdade em seus olhos
Mesmo estes usando tua máscara como cobertor
A festa está acabando, todos estão partindo
Não haverá nem policiais para te conduzirem ao lar
Sentarás na calçada, tirando tua máscara veneziana?
Expulsarás esta cadela feroz de teu lado?
Tua soberba será a bola de ferro em teus pés quando pisares em falso na gôndola?
Sentes solitário na calçada coberta de vômito de outros
Tire tua máscara, e execute o ritual purificador do choro
Observarei, vestido como o mais lindo dos Pierrots
Pois não bebo da taça do rancor
Este veneno que todos tomam e esperam que outros morram em seus lugares
Tomo o líquido incolor da indiferença, apenas
Vermelhos, azuis, amarelos e verdes, meus hematomas de teus nocautes se tornaram
Talvez uma mão surja em tua frente
Talvez minha mão cansada, por ti repudiada
Tentarei com todas as forças acreditar no teu melhor
Mas se não quiseres, mesmo assim, partirei feliz
Enquanto mergulharás definitivamente no mar de tuas tristezas
Nesta estreita e obscura viela de Veneza que passou a ser tua história.