Entre Temporais e Copos – de – Leite
Requiem - Sylvia Ji . Acrílica em Tela. 121, 9 cm x 60, 9 cm. 2008 . Estados Unidos
Passei esses dias me perguntando por quantas tempestades andei e quantas vezes estes temporais quase me tomaram os guarda-chuvas.
Foram muitos, eu sei, mas nenhum deles é tão forte ao ponto de me impedir de seguir em frente, talvez seja a beleza que sempre enxerguei nos relâmpagos, estas manifestações de energia plena, ao contrário daqueles que os temem, sempre quis estar perto de um raio quando este caia em terra. Quando criança sempre ia para a varanda de casa e ficava vendo – os cruzar o céu, ignorando os conselhos dos mais velhos “sai desse lugar, menino”.
Depois das chuvas, eu costumava caminhar pela lama, olhar as pequenas gotas que ficavam presas às folhas, observar os copos – de – leite que cresciam próximos à nascente de água do sítio.
Naquela época eu não sabia que essas flores são tidas como pragas, seus bulbos vieram com escravos africanos, que os usavam como alimento. E essas flores criaram raízes fortes em nosso solo. Naquela época eu apenas queria apreciar esse pequeno mundo, e compreender como essas flores frágeis, que podem atingir até um metro e meio, resistiam a um temporal tão forte e continuavam a ser tão belas quanto.
Talvez porque elas ainda tinham a glória e imponência das margens do Nilo, pois assim eram conhecidas, Lírios do Nilo. Hoje sou capaz de imaginar elas sendo cultivadas por escravas e transportadas aos montes para ornamentar os salões dos faraós. Uma flor abençoada pelos antigos deuses, que resistia às grandes enchentes e cheias do Nilo, apesar de sua fragilidade tinha uma proteção divina contra as intempéries. É esta a resposta a qual chego hoje!
De certa eu observava um espelho, minha imagem em flor. Uma coisa bela e agradável aos olhos, que remete à pureza e a paz, mas que ao mesmo tempo possui um nível de toxicidade considerável. Eu via ali, o meu eu lírico, que desafia as gotas de chuva, frias e ávidas, e que assistia ao espetáculo dos relâmpagos cortando o céu com sua fúria, e permaneciam de pé.
Ainda enfrento minhas tempestades tal como os copos – de – leite, mas ainda tenho que aprender a não me deixar levar pelo veneno entocado de minha alma branca, de passar por tudo de forma etérea, apenas como mais um elemento. Mas sei, da mesma forma que estas flores, que eu também possuo a benção de algum tipo de divindade, que me dá coragem, que segura nas minhas hastes e sussurra em meus ouvidos: “lembre – se daquele dia que eras a flor favorita dos faraós?”.
Ao som de Ion Square - Bloc Party