domingo, 26 de junho de 2011

     Entre Temporais e Copos – de – Leite 



 Requiem - Sylvia Ji . Acrílica em Tela. 121, 9 cm x  60, 9 cm. 2008 . Estados Unidos 


           Passei esses dias me perguntando por quantas tempestades andei e quantas vezes estes temporais quase me tomaram os guarda-chuvas.

Foram muitos, eu sei, mas nenhum deles é tão forte ao ponto de me impedir de seguir em frente, talvez seja a beleza que sempre enxerguei nos relâmpagos, estas manifestações de energia plena, ao contrário daqueles que os temem, sempre quis estar perto de um raio quando este caia em terra. Quando criança sempre ia para a varanda de casa e ficava vendo – os cruzar o céu, ignorando os conselhos dos mais velhos “sai desse lugar, menino”.

Depois das chuvas, eu costumava caminhar pela lama, olhar as pequenas gotas que ficavam presas às folhas, observar os copos – de – leite que cresciam próximos à nascente de água do sítio.

Naquela época eu não sabia que essas flores são tidas como pragas, seus bulbos vieram com escravos africanos, que os usavam como alimento. E essas flores criaram raízes fortes em nosso solo. Naquela época eu apenas queria apreciar esse pequeno mundo, e compreender como essas flores frágeis, que podem atingir até um metro e meio, resistiam a um temporal tão forte e continuavam a ser tão belas quanto.

Talvez porque elas ainda tinham a glória e imponência das margens do Nilo, pois assim eram conhecidas, Lírios do Nilo. Hoje sou capaz de imaginar elas sendo cultivadas por escravas e transportadas aos montes para ornamentar os salões dos faraós. Uma flor abençoada pelos antigos deuses, que resistia às grandes enchentes e cheias do Nilo, apesar de sua fragilidade tinha uma proteção divina contra as intempéries. É esta a resposta a qual chego hoje!

De certa eu observava um espelho, minha imagem em flor. Uma coisa bela e agradável aos olhos, que remete à pureza e a paz, mas que ao mesmo tempo possui um nível de toxicidade considerável. Eu via ali, o meu eu lírico, que desafia as gotas de chuva, frias e ávidas, e que assistia ao espetáculo dos relâmpagos cortando o céu com sua fúria, e permaneciam de pé.

Ainda enfrento minhas tempestades tal como os copos – de – leite, mas ainda tenho que aprender a não me deixar levar pelo veneno entocado de minha alma branca, de passar por tudo de forma etérea, apenas como mais um elemento. Mas sei, da mesma forma que estas flores, que eu também possuo a benção de algum tipo de divindade, que me dá coragem, que segura nas minhas hastes e sussurra em meus ouvidos: “lembre – se daquele dia que eras a flor favorita dos faraós?”.


Ao som de Ion Square - Bloc Party 

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Lapa e Ipanema 


Para Luma 

 
Eder Sallez. Bares da Lapa e Amanhacer em Ipanema. Fotografia. 2010


Sou a alvorada no morro, que beleza!
És promessa de vida de um coração!
Sou a malandragem e a fumaça pesada do cigarro
És a doçura sensual e o beijo cálido do charuto
Sou as calçadas percorridas por um trabalhador
És o calçadão, tapete de estrelas
Sou a mulata que ensaboa roupas e reza
És garota cheia de graça e olhar perdido
Sou a alegria que faltava
És a que sofre calada, solidão
Sou a Senhora Tentação vinda das cordas de aço
És Tereza da Praia, de qual? Não sei
Sou a cachaça
És o uísque
Sou a Lapa
És Ipanema
Sou Cartola
És Tom
Somos estes versos simples e sem graça, de minha autoria
Somos estas idéias magníficas, esplendidamente roubadas
Por um malandro das letras e por uma dama de fala voluptuosa
E que produziram uma única rima final
No meu mundo que é um moinho, fechado verão.
São teus sorrisos, que como águas de março, aliviam meu coração



Ao som de Alvorada – Cartola e Águas de Março – Tom Jobim

domingo, 5 de junho de 2011

Não Floresci 

Inspirado por Agenor de Oliveira

 
Cartola. 1970's

Sou rosa que não floresce antes do tempo, muito menos falo.
No teu inverno ainda sou este frágil botão, coroado de orvalho.
Nota Contra O Comodismo 


Jovem Com A Flor. Marc Riboud. Washington, EUA,1967.
          
A questão não é lutar por "passe livre" ou outras coisas, é mostrar um desconforto geral que a população vem sofrendo e não ter uma negociação final, na verdade a manifestação levou umas palmadas, tal como o filho que chega para mãe pedindo... algo sem parar, a mesma cansada e sem argumentos revida com uns tapas. 

Diálogo sempre impera. 

As manifestações, tal como qualquer forma de arte, visam tirar o ser humano de sua situação de comodismo, mexer com o pensamento e atitudes. Digo que não sei ir pra frente de um protesto, mas seria contraditório eu não apoiar de alguma forma a manifestação e demonstrar repúdio pela forma que os estudantes, menores e jornalistas foram tratados.

Nosso estado possui uma das maiores cargas tributárias do país, principalmente no que concerne à gasolina. Eu moro na divisa com MG, é impressionante a diferença de preços, as pessoas atravessam a fronteira só para comprar gasolina, e nós temos mar, nós temos produção. O que justifica isso? São essas ações mal explicadas que geram um desconforto em todos nós, geram essa vontade de gritar, de se revoltar. 

Mesmos aqueles que condenam uma manifestação já se revoltaram com algo, de forma diferente, já brigaram, espernearam choraram. Por que não aceitar algo público e coletivo? Isso eu ainda não tenho resposta, sei apenas que nunca consiguirei ser comodista, aceitar tudo que me impõe, luto sempre contra minha realidade de uma forma ou de outra, pois há diversos meios para tal. 

Comodismo e individualismo são valores que geram uma falsa indiferença de um ser humano para com outro, criando valores elitistas, inserem-se em nós mesmos como pequenas células adiposas ou cancerígenas, e se não lutarmos contra isso estamos fadados a morrer em vida, que é uma das piores mortes.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Junho I


Noite Estrelada - Vincent Van Gogh. Junho de 1889. 73 x 92 cm. Óleo sobre tela. Museu de Arte Moderna. Nova York, Estados Unidos 



Chegam juntos o frio e a névoa
Anunciando seu início, Juno
Que me desarma com sorrisos
Que me deixa em introspecção profunda
Impelindo-me para minha casa, a concha
Mês das noites em espiral
Profundas e mortais como o olho de um furacão
Tempo de sentimentos inflamáveis
Todos a deriva, nuvem mortal de balões de São João
Impetuosa, és às vezes, Mãe dos Deuses
Morde e assopra
Quem levarás desta vez?
Um astro do pop ou um mestre da literatura?
Nem sequer me ensinou a escrever cartas
Para te ludibriar envio canções aos amores
De suma nada permanece o mesmo
Nunca teve consideração
Sempre coloca diante de mim este espelho
Onde me vejo tal como sou
Esta besta esquizofrênica de três cabeças
Coroadas por cândidas angélicas
Todavia deu-me atributos impares
Ouvir estrelas e ser rosa
Tal como esta, acabo por não falar
Apenas canto, e raramente encanto
Ser ladrão de pores – do – sol
Junho que me fez amador
Junho que me fez amante



(Insônia, 01 de junho, 00:00h, ao som de Ava Dore – The Smashing Pumpkins)